Tesouros na Estante: As Reflexões Autobiográficas de Eric Voegelin

Lucas Wendel
3 min readJun 19, 2021

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É com alguma vergonha que começo o texto da semana. Percebi que desde que abracei o desafio de escrever semanalmente aqui no Medium, já falei sobre inúmeros autores e diversos temas, mas não havia falado ainda de um dos meus escritores favoritos: o alemão Eric Voegelin (1901–1985). Assim que percebi esta ausência, percebi também que deveria corrigí — la o quanto antes. Apesar do seu trabalho monumental e sua vasta contribuição para a ciência política e para a compreensão da realidade e apesar de outros nomes brilhantes já terem trabalhado para divulgar a sua obra, a verdade é que a obra de Voegelin ainda segue relativamente desconhecida em nosso contexto.

Como forma de corrigir este lapso, estava planejando fazer um texto sobre o desafio de usar seus escritos na compreensão da filosofia do direito e um texto onde apresento o seu monumental “História das Ideias Políticas” (os quais sairão por aqui em algum momento) quando percebi que estava seguindo por um caminho errado. Antes de mergulhar na obra de Voegelin ou em suas aplicações em áreas do conhecimento, eu precisava falar sobre as suas “Reflexões Autobiográficas” (São Paulo, SP: É Realizações, 2007. 177 páginas). Trata — se de uma série de transcrições de gravações de Voegelin feitas por Ellis Sandoz, seu orientando no doutorado, durante o período de 26 de junho a 7 de julho de 1973.

Neste livro, acompanhamos uma descrição da experiência acadêmica de Voegelin na Áustria do período entreguerras, que alternava entre um caldeirão de efervescência intelectual — graças a nomes como Hans Kelsen no Direito (do qual o próprio Voegelin fora assistente), Sigmund Freud na psicanálise e Von Mises na Economia — e um ambiente de tensões politicas, com as tensões de ideologias totalitárias dominando o debate; acompanhamos os desafios do jovem Voegelin para prosseguir na carreira acadêmica, onde a ciência política surge inicialmente como uma alternativa rápida e economicamente viável para o seu desenvolvimento, passando mais a frente a marcar a sua vida; acompanhamos também os desafios do autor para escapar da perseguição ideológica, despistando as buscas ferrenhas dos oficiais da Gestapo e tendo que fugir para a Suíça as pressas e a luta de um homem que busca manter a integridade de consciência e o senso de realidade em meio ao caos que as ideologias proporcionavam. Vemos também como se deu a experiência de desenvolvimento do monumental “História das Ideias Políticas” e a mudança de abordagem que fez com que este trabalho ficasse inacabado, mas nos legou o igualmente monumental “Ordem e História”, que trata do estudo das experiências simbólicas em sua pluralidade.

Ao compreender esta última parte, compreendemos o motivo do autor alemão nutrir tanta ojeriza ao pensamento ideológico, dedicando uma parte substancial da sua produção acadêmica para combatê — lo. Contrariando a visão do senso comum sobre as ideologias, Voegelin as apresenta como realmente são: instrumentos de destruição da linguagem e da ruptura de contato com a realidade, a partir da criação de uma bolha de alienação do seu simpatizante, uma segunda realidade. Como antídoto para tal elemento, Voegelin propõe a real investigação filosófica, que surge a partir da percepção da mortalidade do homem e nada mais é do que um esforço para situá — lo em meio à ordem, resgatando o seu significado original de “estrutura da realidade como experienciada pelo homem, bem como a sintonia entre o homem e uma ordem não fabricada por ele, isto é, a ordem cósmica”.

Em resumo, a melhor forma de descrever esta obra seria copiando um trecho da sua sinopse: é Voegelin explicando Voegelin. Aqui temos uma obra essencial para conhecer um autor essencial, um ponto de partida e um novelo de Ariadne para orientar aqueles que pretendem esmiuçar a obra deste gênio. Não há como mergulhar em uma compreensão adequada do pensamento de Voegelin sem passar antes por suas “Reflexões Autobiográficas”.

São Paulo, SP: É Realizações, 2007. 177 páginas.

Essa é a indicação da semana. Vale a pena ler!

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Lucas Wendel
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Written by Lucas Wendel

Cristão. Casado. Pai. Nas horas vagas sou adcogado, pós graduado em Ciência Política e estudante de Teologia.

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